Nas últimas décadas, o debate público em torno da cultura se expandiu para além do campo simbólico, alcançado as esferas políticas e econômicas, que suscitam novas questões e demandam mecanismos de participação e acompanhamento das ações culturais propostas e performadas pelos diversos atores sociais. Os desdobramentos desse novo cenário são amplos, passando por exigências de profissionalização dos produtores e gestores culturais, pela centralidade alcançada pela chamada economia criativa e pela maior complexidade institucional na organização das políticas culturais pelo Estado. Para Coelho (1997), a política de cultura pode ser entendida como um repertório de intervenções realizadas pelo Estado, por instituições da sociedade civil, por entidades privadas ou por comunidades com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover a conservação e desenvolvimento de suas representações simbólicas. Em outra perspectiva, também pode ser apreendida como um recurso cada vez mais acionado pelo Estado contemporâneo para garantir sua legitimidade.
No decurso histórico do Estado brasileiro, as políticas culturais podem ser consideradas relativamente recentes e retratam um complexo processo marcado por tentativas de rompimento com as velhas tradições republicanas oligárquicas, que se tornaram latentes desde a década de 1930. Calabre (2009) chama a atenção para a influência do dirigismo autoritário do Estado brasileiro sobre as políticas culturais. O período getulista, por exemplo, preocupou-se em construir uma identidade nacional a partir da institucionalização da cultura. Posteriormente, o regime militar investiu na nascente indústria cultural, priorizando projetos desenvolvimentistas e de integração nacional. Os planos culturais oficiais durante esse período buscaram recuperar instituições culturais icônicas, como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes e o Instituto Nacional do Livro.
Barbalho (1998) aponta que a tradição da política cultural brasileira legada pelos períodos autoritários dificultou a viabilidade de artistas e intelectuais fora do espaço institucional dominante. Os mecanismos de controle transitavam entre a censura e negação de recursos para produção cultural. Em contraponto, investimentos pontuais eram observados em períodos de maior desgaste da imagem política do governo. Pelo menos até os anos 1980, uma ‘cultura de balcão’ caracterizou o consentimento silencioso com práticas paternalistas no campo cultural. A partir desse momento, o período de redemocratização política do país trouxe promessas de novas configurações sociais nas políticas culturais, a partir da expectativa de maior participação da sociedade civil. Desde então, as políticas culturais oscilaram entre a criação e atuação do Ministério da Cultura (MinC) e da primeira lei de incentivo à cultura, em meados dos anos 1980; e o desmonte de instituições culturais e menor participação do Estado no campo da cultural, a partir dos anos 1990. Com a reformulação da antiga ‘Lei Sarney’, resultando na Lei n. 8.313/1991, popularmente conhecida como Lei Rouanet; coube ao Estado – por mais de uma década – coordenar mecanismos previstos no modelo de isenção fiscal e à iniciativa privada definir quais projetos culturais seriam financiados.
Uma agenda política mais diversificada para a cultura no país passou a ser estruturada a partir de 2003, quando um novo modelo de gestão cultural foi introduzido e representou maior disponibilidade orçamentária, ampliação do quadro funcional do MinC e uma nova lógica de distribuição de recursos. Para Calabre (2009), os resultados das mudanças institucionais nas políticas públicas de cultura desse período contemplam o reconhecimento de expressões culturais mais diversas, ampliação do campo de atuação do MinC, a inclusão de novos agentes sociais e a proposta de novos canais de diálogo com a sociedade. O novo modelo de gestão cultural criou o Sistema Nacional de Cultura para estimular e integrar políticas culturais em todas as esferas, incluindo a gestão cultural nos municípios brasileiros; e o Plano Nacional de Cultura (Lei n. 12.343/2003), que discutiu políticas de longo prazo (até 2020) voltadas à proteção e promoção da diversidade cultural brasileira. Nesse mesmo contexto, o Programa Cultura Viva, criado em 2004, representou os esforços para democratizar e descentralizar regionalmente os recursos da cultura, por meio de mudanças na regulamentação da Lei Rouanet e da criação de editais públicos para acesso aos benefícios. Até então restrita à lógica de renúncia fiscal, a política cultural brasileira demonstrou maior preocupação com segmentos da população historicamente excluídos das leis de incentivo, sobretudo, com a implantação dos chamados ‘pontos de cultura’.
Na trajetória das políticas culturais no Brasil, o dirigismo estatal que marcou as primeiras ações para o campo cultural no país legou certo amadorismo às práticas de gestão cultural, cenários institucionais instáveis e relações de subordinação ao poder instituído. No contexto das grandes e pequenas cidades brasileiras, os produtores culturais se vêem em uma posição ambígua: a busca por autonomia na produção cultural, por um lado; e a dependência do Estado e do mercado, por outro. Como o sistema de financiamento à cultura foi pautado, por muito tempo, apenas por leis baseadas em renúncia fiscal ou em editais públicos voltados para segmentos culturais previamente selecionados, nem todas as modalidades de cultura conseguiram ser contempladas pelas políticas oficiais (Rubim; Barbalho, 2007). Embora o mecenato cultural tenha fomentado a organização institucional da gestão cultural nos municípios, que replicaram a criação de mecanismos de fomento à cultura na esfera local, a dependência em torno desse mecanismo como forma exclusiva de fomento à cultura acentuou desigualdades sociais, culturais e territoriais, favorecendo projetos com maior visibilidade e realizados nas regiões do país com mercados consumidores mais dinâmicos (Gadelha; Barbalho, 2013).
Mais recentemente, a Pandemia de Covid-19 marcou um momento muito difícil para a classe artística brasileira e para a área cultural como um todo. Artistas, produtores e técnicos foram impactados diretamente com os efeitos socioeconômicos da pandemia, uma vez que os eventos presenciais se tornaram escassos. Em resposta a isso, duas importantes leis foram homologadas: a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) e a Lei Paulo Gustavo. A PNAB (lei 14.017/2020) reservou 15 bilhões de reais para garantir auxílio financeiro a trabalhadores da cultura e espaços culturais, pagos em um intervalo de 5 anos (até 2027). E a Lei Paulo Gustavo (lei complementar n. 195/2022), nomeada em homenagem ao ator e humorista Paulo Gustavo, vítima da COVID-19, reservou 3,8 bilhões para o setor cultural em todo o território nacional. A distribuição desses recursos é de responsabilidade dos estados, municípios e do Distrito Federal, e para a seleção dos beneficiários são realizados editais e chamadas públicas, executados pelos entes federados.
É importante destacar ainda que a recriação do Ministério da Cultura, em 2023, abriu caminho para a plena execução dessas leis e para a reinserção do desenvolvimento cultural como vetor de transformação social e superação de desigualdades. Nesse sentido, foram lançados ainda o Programa Rouanet Norte (com investimento de R$ 24 milhões a projetos culturais dos estados da região norte); o Programa Rouanet nas Favelas (recursos de R$ 5 milhões destinados a territórios de favelas das cidades de Salvador, Belém, São Luís, Fortaleza e Goiânia); e diversos editais com foco em diversidade, inclusão e promoção de direitos, como o Edital Sérgio Mamberti, o Edital de Fomento aos Pontões de Cultura, o Edital de Construção Nacional do Hip-Hop, o Edital Ruth de Souza e o Edital de Intercâmbio Cultural – Formação e Circulação Audiovisual no Exterior. Na interseção literatura, livro e leitura é possível mencionar a implantação e modernização de bibliotecas, com um chamamento público para a execução da Programação Cultural da Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles; o Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no exterior; o Programa Olhos d’água – Edital Escolas Livres de Formação em Arte e Cultura; além do lançamento de diversos prêmios. Por fim, destaca-se a retomada da Fundação Cultural Palmares, que tem como missão a promoção e preservação da cultura negra e afro-brasileira, e diversas ações de políticas públicas voltadas para Quilombolas.